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A Mídia e o Efeito Werther: como realizar uma abordagem responsável sobre suicídio

Ao trabalhar a prevenção do suicídio, a mídia exerce um papel significativo no modo como a sociedade aborda e repercute o tema. Disseminar informações responsáveis e estimular espaços de conscientização sobre saúde mental são papéis fundamentais dos comunicadores


Por Ester Rodrigues e Grasieler Martins

À direita, há o desenho da silhueta do perfil de um homem (apenas a cabeça) e há um fio preto bastante emaranhado na área onde fica o cérebro. A ponta do fio sai pela frente da cabeça e vai até o lado esquerdo, em que um homem bem pequeno, vestido de branco e preto, organiza o fio no formato de um cérebro. O fundo da imagem é azul claro.
Setembro é o mês da prevenção ao suicídio (reprodução/Pinterest)

Em fevereiro de 2005, a cobertura da mídia sobre a morte por suicídio, da atriz sul-coreana Lee Eun-ju, de 25 anos, foi considerada sensacionalista devido a exposição de detalhes, incluindo o método, segundo uma pesquisa feita por estudantes da UNIARP (Universidade Alto Vale do Rio do Peixe). No estudo observado por eles, foi procurado nos três principais jornais do país sobre a morte da atriz e encontradas 220 reportagens que tratavam do caso em apenas quatro semanas após a morte da artista. Durante 8 semanas após a morte dela, não houve um grande aumento de suicídios por outros métodos, no entanto, o aumento pelo mesmo método da atriz foi de 145,8%.


Em outro exemplo, uma pesquisa feita pela revista britânica British Medical Journal associa que após a cobertura midiática sobre a morte do ator Robin Williams por suicídio, em 2014, houve um aumento de aproximadamente 10% do número de casos de suicídio no país.


É importante destacar que embora a mídia não possa ser, comprovadamente, responsável por esse aumento abrupto de casos envolvendo o mesmo método, devido à exposição irresponsável, ela desempenha um papel significativo na maneira como o público percebe e reage a tais eventos. Ela deve assumir a responsabilidade de ser ética em sua cobertura, considerando o impacto de suas histórias na saúde mental e bem-estar do público.


Esses casos são apenas alguns entre outros veiculados pela mídia sensacionalista, caracterizada pela falta de responsabilidade ao noticiar, que potencializa o risco de suicídio e a dor adicional às famílias que sofreram com as perdas. É essencial que a mídia reconheça o seu papel ético para abordar esse assunto delicado, fomentando uma discussão aberta e educativa sobre saúde mental e prevenção ao suicídio. Isso requer uma abordagem profissional.


Quando perguntada pelo Midiando sobre desafios na sua carreira ao tratar sobre o suicídio, a professora e jornalista, Erilene Firmino, afirma que os estudos da época diziam que reportar sobre acabava produzindo um efeito dominó ou efeito imitação, quanto mais se via falando sobre o suicídio na mídia, mais suicídios aconteceriam. Ela ainda coloca que enfrentava dificuldades dentro da redação no início:

“As dificuldades que eu tinha, eu acho que na primeira parte e logo no comecinho da mudança, era convencer a redação, convencer os chefes a discutir o tema, porque levou um tempo e eu acho que hoje ainda possa existir isso daquela primeira ideia de que não era bom falar”

A professora ainda completa dizendo que a dificuldade que ela encontrou era a de colocar esse tema em pauta.


Ademais, em entrevista à Revista Galileu, Karen Scavacini, psicóloga e diretora do Instituto Vita Alere, explica que o estado de vulnerabilidade da pessoa e a identificação com o personagem ou de uma pessoa pública pode ser um fator que acaba influenciando o suicídio por imitação, ela finaliza exemplificando que o suicídio depende de como é retratado na mídia, se for romantizado ou dizer que a pessoa encontrou a paz após o ato.


O relato recorrente de casos também pode culminar em consequências negativas, como a mídia atualizar frequentemente em seus veículos sobre algum caso recente. As principais imprudências midiáticas ao abordar o suicídio se dá quando usam a causa da morte como algo monocausal, que significa que atribuem-na a uma causa única. Em outras palavras, ele não tem múltiplas causas contribuindo para o seu surgimento, em vez disso, há uma única razão predominante que explica por que ocorreu. Usam de uma situação para generalizar imprudentemente.


O Efeito Werther

Desenho em preto e branco de um jovem com semblante abatido debruçado em uma mesa de madeira. Sob a mão esquerda dele, há uma folha de papel e, ao lado, um tinteiro e uma caneta. O jovem veste uma camisa de manga longa e uma calça e tem cabelo médio e claro.
O livro foi escrito pelo Johann Wolfgang von Goethe, escritor e filósofo alemão (reprodução: UFSM)

No início do período do romantismo na literatura, a obra Os sofrimentos do jovem Werther (1774) retrata a história de Werther, um jovem que se suicida após descobrir que a mulher pela qual ele estava apaixonado, se casaria com outro homem. Apesar de ser um sucesso nas vendas, o livro desencadeou uma série de suicídios na Europa. Em 1974, o pesquisador americano David Phillips usou o termo para nomear o fenômeno que ocorre quando a mídia divulga um caso de suicídio de forma ampla, ou seja, sem responsabilidade.


O Efeito Papageno

A pintura mostra Papageno, um jovem vestido como um pássaro, com uma roupa cheia de penas e um chapéu de bico de ave. Ele carrega uma gaiola dourada nas costas com duas pombas brancas dentro, como se fosse uma mochila. A paisagem ao fundo é a de um espaço noturno arborizado, que tem um riacho, alguns picos e pássaros voando ao fundo. A lua brilha forte entre dois picos e atrás dos pássaros voando. As cores mais evidentes na pintura são o dourado, o branco, o preto, o azul e o roxo.
Papageno é um caçador de pássaros em A Flauta Mágica (reprodução: Sarah Young/Etsy)

O nome do efeito é em referência ao personagem da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, que decide tirar a própria vida, mas, ao falar sobre sua intenção, é convencido por três amigos a abandonar a ideia e buscar alternativas e possibilidades.


Ao contrário do Werther, o chamado efeito Papageno diz que reportagens responsáveis podem diminuir o comportamento suicida no público. Uma das estratégias para prevenir o suicídio é retratar o assunto com humanidade. Além de fazer sua incidência diminuir, também pode abrir caminhos para que quem está em contato com a notícia adote estratégias de enfrentamento.


Como a mídia deve abordar os casos de suicídio?

A prática do suicídio afeta indivíduos em situação de profunda angústia e sofrimento. Depressão e outras conturbações mentais podem levar essas pessoas a acreditar que não há outra alternativa para a sua dor, a não ser de por meio um ato impulsivo de encerrar suas vidas em meio à crise que estão enfrentando.


Partindo desse pressuposto, a mídia exerce o papel de doador de sentido na vida dessas pessoas que buscam um norte diante ao mundo social.


O fascínio e atração da imprensa com o suicídio ocasiona a propagação de sensacionalismo em massa para obter o consumo. Os casos que atraem maior interesse de consumo entre os meios de comunicação são aqueles relacionados às pessoas famosas. A psicóloga Ana Elisa Tavares afirma que ao evitar qualquer cobertura sensacionalista, principalmente com uma figura pública envolvida, ela está, consequentemente auxiliando na prevenção do suicídio.

“A mídia precisa entender que determinadas atitudes precisam ser seguidas, por exemplo, evitar fotografias, evitar cenas, métodos, manchetes de primeira página... Deve ser evitado também descrições detalhadas do método, do uso, de como é que foi... As pesquisas demonstram que essa cobertura dos meios de comunicação têm um impacto maior dos métodos de suicídios usados com frequência”

Ela ainda aponta que, ao noticiar casos relacionados ao suicídio, a mídia precisa ser concisa, apropriada e cuidadosa, porque, quanto melhor é esclarecido o assunto, mais é possível prevenir perdas trágicas. O suicídio não pode ser abordado de maneira simplista e nem como um resultado de um único evento. A psicóloga ainda complementa:

“A gente sabe que o suicídio é multifatorial, desencadeia de diversas construções diárias da vida de cada ser humano. Então, ele não pode ser mostrado como um método fácil de lidar com os problemas pessoais do dia a dia’’

Nesse viés, para o uso responsável ao abordar o assunto, a mídia deve-se concentrar em fornecer informações sobre a saúde mental, sinais de alerta para o suicídio e os recursos disponíveis para ajuda em postura mais sensibilizada. Para isso, além de fornecer a informações citadas acima, a abordagem deve:


1. Agir com a ética necessária para promover a conscientização

Glícia Maria, professora de ética e legislação publicitária, da UFC, diz que para alcançar essa ética, a mídia deve ser mais humanizada e olhar para o ser humano de uma maneira integral, entendendo que a saúde mental faz parte de um contexto. Esses pontos têm relação com nossas condições de trabalho, estudos, pressões sofridas pela sociedade, e a mídia consciente disso, consequentemente trataria melhor também de um tema sensível como o suicídio.

“É importante, do ponto de vista da conscientização, buscar especialistas que entendam do tema, que possam, de fato, falar sobre saúde mental de uma maneira responsável, consciente e racional e também com conhecimento de causa e conhecimento acadêmico sobre o assunto. Então, acho que fazer essa escuta é o básico para falar sobre esses casos de uma maneira mais responsável”

2. Explicar e desconstruir a origem histórica do estigma associado ao suicídio

Investigando e compartilhando a origem de crenças religiosas e culturais que contribuíram para o estigma do suicídio. Além de contextualizar que essas ideias não se aplicam a contemporaneidade, fomentando o quanto são prejudiciais e desatualizadas. Além de fornecer informações precisas e baseadas em evidências sobre o suicídio, desmitificando mitos comuns que podem fazer o estigma prevalecer, além de causar mal-entendidos.


3. Informar como amigos e familiares podem apoiar quem se encontra em risco

É necessário que a mídia forneça essas informações como forma de prevenção, ao cuidar do bem-estar da sociedade, devido ao seu papel fundamental para com a tal. Oferecer orientações profissionais de como identificar sinais de alertas em amigos e familiares; dicas de como abordar o assunto com a pessoa em risco, com empatia e responsabilidade; encorajar a busca de ajuda profissional


Diante disso, o Ministério da Saúde lançou uma cartilha intitulada “Suicídio. Saber, agir e prevenir” para auxiliar e guiar pessoas que estão em contato, ou convívio, com quem está em risco de suícidio para entender os sinais de alerta, como se portar e como não se portar nessas situações.


4. Evitar termos e abordagens sensacionalistas

Ao reportar à mídia, deve-se evitar o uso de termos como suicídio bem-sucedido, tentativa falha de suicídio ou mal-sucedida – pois dá a entender que a morte é um efeito desejado. Não usar o termo epidemia/pandemia de suicídio, pois causa um alarde desnecessário ao tratar de um tema sensível, mesmo que seja importante dar a devida importância, é preciso pensar em quem está do outro lado da tela e no sentimento que pode ser causado. Termos como suicídio, morte por suicídio ou tentativa de suicídio são os mais aceitáveis diante dessas circunstâncias.


5. Compartilhar histórias pessoais de recuperação

Noticiar histórias de sobreviventes de tentativa de suicídio ou pessoas que superaram pensamentos suicidas pode inspirar esperança. No entanto, essas histórias devem ser contadas com o consentimento dos indivíduos e de maneira cuidadosa, a fim de não romantizar o suicídio. Segundo o professor de psiquiatria Alexandre Moreira, em entrevista para o portal da UFJF, essa modelagem positiva também induz ao comportamento positivo.

“Quando se apresenta o que a maioria das pessoas faz, que é conseguir superar, pode-se induzir comportamentos positivos. E mais: ressignificar os problemas, mostrar que faz parte ter problemas, que todos nós vamos enfrentá-los”

6. Chamar atenção para campanhas de conscientização

Destacar iniciativas de prevenção que estejam acontecendo, a partir de informações sobre como as pessoas podem se envolver e participar.

Além de fornecer recursos como linhas de ajuda, ONGs e sites de apoio.


Locais com atendimento psicológico gratuito

Cuidar da saúde mental é fundamental. E existem alguns serviços gratuitos disponibilizados para a prevenção do suicídio em Fortaleza. Confira abaixo uma lista feita pelo Midiando de onde buscar atendimento e acolhimento na capital cearense.


CAPS GERAL V - Rua Bom Jesus, 940, Bom Jardim

(3245-7956 / 3105-2030 / 99619-2844)


CAPS GERAL VI - Rua Manoel Castelo Branco, 200, Messejana

(3488-3312)


Clínica Arcádia - Rua Martinho Rodrigues, 191, Fátima

(3034-5508)


Clínica Escola Estácio FIC - Rua Felipe Nery, 1006, Guararapes

(3271-1992)


Espaço Grão (Grão Social) - Rua Silva Paulet, 3087, Dionísio Torres

(3227-6868 / 3272-4701)


Fanor - Avenida Santos Dumont, 7800, Manoel Dias Branco

(3052-4865)


Instituto Gaia (Projeto Águia) - Rua José Vilar, 964, Aldeota

(3224-9770 / 3244-6743)


Instituto Raízes - Rua Adolfo Moreira De Carvalho, 86, Edson Queiroz

(3259-2477 / 99993-0220 / 98623-8241)


Instituto Sherpa – Avenida Viena Weyne, 1167, Cambeba; Avenida Antônio Sales, 1885, Sala 203 Dionísio Torres

(3271-0564)


Instituto Terapia Solidária - Rua Conselheiro Tristão, 10, Centro

(3251-1061)


Nami Unifor - Rua Desembargador Floriano Benevides, 221, Edson Queiroz

(3477-3643 / 3477-3644)


Santa Casa De Misericórdia - Rua Barão Do Rio Branco, S/N, Centro

(3455-9100)


Universidade Federal do Ceará (UFC) - Rua Waldery Uchoa, 3A, Benfica (vinculada ao Departamento de Psicologia da UFC)

(3366-7689)



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