Por Patrícia de Morais
O verbo “representar”, segundo o diretor teatral, Freire Filho, inicialmente significava “apresentar de novo” e depois se tornou sinônimo de “substituir”. Atualmente o termo é usado para designar como textos e imagens são usados para se referir a categorias de grupos sociais nos produtos midiáticos. No âmbito dos Estudos Culturais, Stuart Hall concebe a representação como a maneira pelo qual os sujeitos se identificam com um discurso e o quanto são afetados pelo mesmo, ou seja, um processo que envolve a produção de significados, permitindo a criação de novas subjetividades.
Os modelos de representações de identidades sociais difundidos pelos materiais midiáticos são conteúdos carregados de ideologias que orientam o pensamento da opinião pública. Esta é a razão que torna a concentração midiática um entrave ao processo democrático, visto que, a presença de oligopólios limita a pluralidade dos discursos. Grupos sociais sem espaço passam a ter sua imagem formulada pelos outros, muitas vezes de forma imprecisa, nascendo assim os estereótipos, ou seja, ideias errôneas reproduzidas culturalmente nas relações sociais que reforçam preconceitos e são frutos da maneira distorcida de como as minorias são retratadas.
A ficção televisiva, o cinema hollywoodiano e a publicidade, por exemplo, historicamente retrataram a imagem corporal feminina, pautada em simbologias de beleza, que são regidas por ideais de beleza, juventude e altivez, padrões que na verdade refletem a imagem feminina pela ótica da idealização do olhar masculino. No livro “Nova história das mulheres” as historiadoras Carla Pinsky e Joana Maria Pedro apontam como o comportamento feminino também é alvo de rótulos. A mulher tida como ideal era aquela que se portava como a “mãe amorosa” ou “esposa dedicada”. Um ideal de feminino baseado na submissão e que reflete os valores de uma sociedade patriarcal.
Anúncio da enceradeira mirim em que se lê “Para tornar a tarefa do lar mais agradável, a Champion criou a enceradeira mirim para a sua filhinha”.
Esta definição do feminino baseado em estereótipos também esteve presente na imprensa feminina. As primeiras revistas voltadas para mulheres funcionavam como escritórios sentimentais com matérias que ensinavam as leitoras a mimarem seus maridos ou serem boas donas de casa.. Assuntos como trabalho, sexualidade e política passaram a se fazer presente somente nos séculos 18 e 19 por causa da ascensão das reivindicações feministas. No Brasil a imprensa feminina teve início no século XIX. Os periódicos femininos seguiam duas vertentes, a tradicional que engrandecia as virtudes femininas e habilidades domésticas, e a progressista que enfatizava os direitos da mulher.
Ao longo das décadas as revistas femininas passaram a apresentar diversas facetas do feminino, havia a mãe sofredora, a garota moderna e descolada , e ainda a femme fatale segura e sexy, representações do feminino que são usadas para construir identidades. Contudo, as revistas não levavam em conta a diversidade, como o padrão de beleza da mulher negra e da mulher oriental. E ainda contavam com matérias unilaterais intituladas “Como agradar seu homem?” e testes de gêneros do tipo “Que mulher eu sou?”, que procurava enquadrar a mulher sob rótulos.
A construção da imagem feminina nestas revistas é formada por um discurso contraditório. Temos uma mulher que é interessada por sexo, é realizada e por isso seja feliz, no entanto ainda é obrigada a exercer tarefas domésticas. Por mais que hajam artigos e matérias que falem sobre a libertação da mulher, a mesma ainda é retratada como um objeto que deve sempre agir em função do homem, publicações que reforçam discursos machistas. Havendo duas identidades, a da mulher tradicional e a da mulher emancipada. Como as capas da revista “Nova” e “Cosmopolitan”, com as atrizes Ísis Valverde e Marina Ruy Barbosa. Além do vestuário apelarem para uma imagem sensual das atrizes, os títulos das matérias na capa evidenciam o discurso contraditório. Matérias sobre a realização profissional e acadêmica, que moldam no imaginário das leitoras a imagem da “super mulher”, dividem espaço com matérias que ensinam como as mulheres podem desvendar os segredos da mente masculina
Com a digitalização e convergência tecnológica a revista impressa tradicional migrou para as versões online, e passaram a ter um público mais restrito. As revistas digitais utilizam novidades tecnológicas presentes no suporte, como notificações online, estratégias visuais, e conteúdo diversificado conforme características dos leitores, aliando informação e entretenimento. É justamente no ambiente virtual com a presença das novas mídias, que discussões acerca do mundo da mulher são realizadas, tanto através de digitais influencers e celebridades em seus perfis, como também pela mídia alternativa em que as vozes das minorias são expostas, possibilitando a maior proliferação de discursos e experiências.
Capitolina é um exemplo de revista feminina alternativa. Criada em abril de 2014, a revista que carrega o nome da personagem Capitu do romance “Dom Casmurro” foi desenvolvida por mulheres que querem ser representadas na mídia para o público feminino. As publicações visam um diálogo mais inclusivo que contempla a aceitação de diferenças, incentivando a vivência do feminismo. Com conteúdos voltados para temas como games, artes e cinema, a revista permite a inserção de vários mundos da mulher, contempla diversos tipos de feminino, inclusive aqueles que se sentem excluídos pela sociedade.
No mecanismo de busca da revista, ao pesquisar por matérias com o termo “mulher” encontramos textos que falam da imagem feminina mais próxima da realidade e que muitas vezes é ignorada nas publicações da mídia hegemônica. É comum que as revistas de grande circulação realizem matérias com figuras conhecidas da opinião pública, como atrizes e modelos, enquanto na Capitolina personagens femininas que chegaram a ser esquecidas pela sociedade e pela história têm sua história contada, como as mulheres do cangaço. A revista propõe ainda o debate sobre temas pouco comuns na mídia tradicional como a causa das mulheres negras e indígenas na pesquisa. A diversidade das publicações permite enxergar as opressões que as mulheres sofrem em diferentes níveis.
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