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Privacidade, vigilância e democracia

Bots, bolhas de informação e outras tecnologias em plataformas digitais e a ameaça que representam às democracias modernas.


Por Sarah Melo


Como hábitos diários levam à violência política?


Christiane-Marie Abu Sarah, historiadora comportamental especializada no estudo sobre agressão, cognição moral e tomada de decisões em movimentos políticos, discorre sobre o tema em palco da TEDTalk, que dá título à conversa.



A apresentação desses hábitos por Christiane-Marie se inicia com o que a historiadora julga ser o número um desenvolvido em indivíduos que cometem ataques violentos de motivação política. Diferentes movimentos em diversos contextos históricos parecem coincidir: semanas, meses ou anos antes dos ataques, muitos desses indivíduos encontravam-se fechados em bolhas de informação, que nutriram o que construiu neles um gatilho emocional de raiva ou indignação contra um membro ou símbolo de um grupo oposto.


Na era em que vivemos hoje, porém, o fenômeno das redes sociais atribuiu a essa realidade analisada por Christiane-Marie proporções antes jamais experienciadas. Essas bolhas de informação têm agora efeitos ainda mais concretos nos mais diversos setores, e em todos nós que estamos inseridos nas redes.


O que ouvimos, como nos vestimos, que lugares frequentamos, ou ainda, em quem votamos: o curso de nações inteiras, de gerações inteiras, influenciado e moldado por linhas de código binário.

Timelines, mecanismos de busca como Google e Bing, a aba explorar de aplicativos como o Instagram, e a home personalisada do Youtube são exemplos de onde as bolhas funcionam.


Tudo começou com o sonho de um mundo conectado, narra o professor David Carroll. Um espaço em que compartilhássemos experiências e nos sentíssemos menos sozinhos. Não demorou muito para que esse mundo se tornasse nosso match-maker, nosso checador de fatos instantâneo, nossa fonte de entretenimento pessoal, o guardião de nossas memórias e até mesmo nosso terapeuta, continua Carroll.


A bolha que antes fechava os indivíduos com informações de revistas, livros, panfletos e notícias, transforma-se para a realidade nas mídias em uma névoa que cobre a todos personalizadamente. Os algoritmos das redes sociais, que interpretam os dados de nossas pesquisas e interações, transformam a interface de nossas plataformas em algo que parece conter tudo e apenas o que gostamos, como se feita a mão para nós.


Esse ambiente nos fecha em uma realidade que traduz traços de nossa personalidade, quanto maior o uso, maior dados os algoritmos interpretam e, consequentemente, maior será a personalização. Esses dados utilizados pelos algoritmos fornecem às empresas que administram essas mídias ‘gratuitas’ para os usuários o que há de mais valioso no mercado: o “pulso emocional” de quem somos, nas palavras de David Carroll. Não muito tempo atrás, as empresas mais vultosas do planeta eram bancos e petrolíferas; hoje são empresas de tecnologia e comunicação, e nossos dados são o commodity, isto é, a matéria-prima comercializada.


As consequências mais temíveis desse cenário são as que se apresentam como ameaça ao que é compreendido como um dos grandes símbolos de progresso das sociedades humanas: a democracia.

O ano de 2016 foi palco de um dos maiores escândalos até então: Cambridge Analytica, Facebook e a coleta de dados de milhões de usuários da plataforma utilizados para manipulação política em eleições e plebiscitos do período, como o Brexit e as últimas eleições presidenciais americanas.


Traçando o perfil político desses milhões de usuários, entendendo o que os assusta, o que os motiva, em que acreditam e no que não acreditam, a Cambridge Analytica se equipou do necessário para ‘melhor direcioná-las’ com o disparo de conteúdos em massa por bots usando anúncios e postagens no Facebook.



Esse ‘direcionamento’, com publicações que provocavam medo e incitavam o ódio, como as que retrataram imigrantes e refugiados como ameaça a estabilidade local, tiveram papel decisivo no plebiscito que acarretaria na saída do Reino Unido da União Europeia, por exemplo.




Carole Cadwalladr, jornalista e finalista do prêmio Pulitzer por seu trabalho investigativo do escândalo, expressa “nós [Grã-Bretanha] somos o que acontece com uma democracia ocidental quando cem anos de leis eleitorais são rompidas pela tecnologia”. Com os acontecimentos após o escândalo, a Cambridge Analytica encerra operações e declara falência; já o Facebook paga uma quantia de 5 bilhões de dólares pelo processo nos EUA, mais meio milhão de libras no Reino Unido pelo seu papel no escândalo, e segue sem fornecer ao público dados detalhados das operações com os anúncios e postagens em sua plataforma.


Em conversa sobre o Brexit, Cadwalladr continua, “[...] há uma ‘força tenebrosa’ que nos conecta globalmente. E que está fluindo pelas plataformas tecnológicas. E é por isso que estou aqui, para me dirigir diretamente a vocês, os deuses do Vale do Silício, [...] porque vocês se propuseram a conectar as pessoas, e estão se recusando a reconhecer que essa mesma tecnologia está agora nos afastando. E o que vocês não parecem entender é que isso é maior do que vocês e é maior do que todos nós. [...] É sobre se é realmente possível termos novamente eleições livres e justas”.



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